Mistérios ocultos aos Doutos e aos Prudentes
- Wagner Lettnin
- 28 de mai. de 2024
- 8 min de leitura
Mistérios ocultos aos Doutos e aos Prudentes (Mistérios quânticos?!)
Cesar Boschetti

“Graças te rendo, meu Pai, Senhor do céu e da Terra, por haveres ocultado estas coisas aos doutos e aos prudentes e por as teres revelado aos simples e aos pequenos.” (Evangelho Segundo o Espiritismo cap. VII – itens 7 a 10)
De que coisas ou mistérios Jesus falava? Estaria Jesus condenando a sabedoria? A ciência e a filosofia? A busca pelo conhecimento? A prudência nas deliberações da vida? Estaria Jesus aclamando a ignorância e falta de cautela nas decisões pessoais?
– Não! Claro que não!
É impensável que o mestre, da altura de sua sabedoria, plena de amor e misericórdia incondicionais, tivesse essa intenção. Seria uma total incoerência. É preciso conhecer melhor a figura de Jesus e seu contexto histórico. É preciso compreender melhor a essência de sua mensagem. Uma mensagem singela, desprendida, marcada pelo amor, pela caridade e pela ampla aceitação de todas as imperfeições humanas. Uma mensagem, pode-se dizer, investida da autoridade e grandeza de um imperador, encarnada na figura de um humilde, simples e sincero amigo. Somente dentro desse contexto podemos buscar compreender as falas, muitas vezes enigmáticas de Jesus.
Jesus nunca condenou a verdadeira sabedoria, aquela sempre alinhada com a humildade e sempre contida dentro de seus devidos limites. Ele nunca condenou a busca sincera e desprendida pelo saber. Jesus condenava a pretensão dos que se julgavam donos da verdade, doutores de todas as leis. Aqueles que debochavam dos humildes, dos que sonhavam com uma vida melhor, dos que almejavam justiça pelos abusos e humilhações por que passavam. Gente humilde com ideais que ultrapassavam a condição material do ser humano. Eram ideais de libertação de um jugo religioso opressivo e tendencioso, carregado de interesses mesquinhos, daqueles que se julgavam donos da verdade. Na visão estreita e egoísta dos pretensos doutores da lei, esses ideais representavam uma transgressão à lei, e não passavam de mero consolo dos ingênuos e ignorantes.
Sob um manto religioso hipócrita, escondia-se um materialismo mercantilista que não se preocupava em esconder o egoísmo e a ganância. O episódio de Jesus com os mercadores do templo, relatado no cap. XXVI do evangelho segundo o espiritismo, retrata bem esta situação. A ganância pelo ter em lugar de ser não se incomoda com a pureza identitária. Por outro lado, o materialismo filosófico ou científico puro, é um paradigma, um princípio norteador de um método de busca pela verdade, cuja principal razão de ser, é justamente afastar-se dos dogmas e vícios religiosos. O alvo da crítica de Kardec não era o materialismo científico que ele compreendia e concordava, tanto que adotou os procedimentos da ciência na codificação. Kardec criticava o materialismo utilitarista, que radicaliza o discurso antimetafísico e negava a diversidade ideológica. Alardeava a liberdade de pensamento negando-a aos outros. A posição de Kardec em relação ao materialismo fica evidente no cap. X da Gênese onde ele trata do homem corpóreo no item 30:
“O Espiritismo marcha ao lado do materialismo, no campo da matéria; admite tudo o que o segundo admite; mas avança para além do ponto onde este último para. O Espiritismo e o materialismo são como dois viajantes que caminham juntos, partindo de um mesmo ponto; chegados a certa distância, diz um: “Não posso ir mais longe.” O outro prossegue e descobre um novo mundo.”
Todavia, não se pode deixar de admitir que as duas formas de materialismo, apesar das motivações e objetivos diferentes, guardam certa relação entre si, dividem uma mesma base epistemológica ou princípio de sustentação. É um fato que não pode ser ignorado, mas é preciso cuidado para não se combater a ciência em lugar de se combater uma chaga social.
É comum no meio espírita, a crítica à ciência e aos cientistas por não admitirem o princípio espiritual, recusarem-se a estudá-lo e não efetuarem pesquisas que trariam muitos benefícios à sociedade. Acusa-se os cientistas de materialistas, insensíveis e incrédulos perante tantas provas e evidências existentes. Não raro, alguns preletores ou palestrantes chegam a invocar “evidências” apresentadas pela física quântica, como se a física quântica fosse uma área a parte da ciência, e que acolhesse de forma natural as questões do espírito. Não há nada mais equivocado do que esta ideia, frequentemente, invocada. Apesar de, na sua maioria, essas manifestações serem louváveis quanto aos objetivos, são totalmente desastrosas quanto ao entendimento da questão. Existe aqui a mistura de um certo viés farisaico, oposto ao ensino de Jesus, e dissonante da proposta original de Kardec, com falta de estudo e melhor compreensão da doutrina e seus aspectos filosóficos e científicos.
Em primeiro lugar é preciso entender como funciona a ciência material e porque esta adota o paradigma materialista. Em segundo lugar é preciso entender que, no meio científico, existem espíritas, judeus, católicos, protestantes, evangélicos, ateus, agnósticos e mais uma lista com diferentes filosofias e concepções. É por este motivo, dentre outros, que a ciência deve ser neutra. O cientista nunca é neutro, mas ciência precisa ser. Do mesmo modo, o espírita deve ser tolerante com outras formas de pensamento e não querer se elevar à condição de doutor da lei. O espírita precisa reconhecer sua presença minoritária na sociedade e perceber que atacar o materialismo científico não é a forma correta de divulgar a doutrina e estimular a pesquisa dos fenômenos espíritas.
A metodologia de trabalho da ciência, o chamado método científico, pressupõe a validação ou reprovação de fatos, observações ou leis, por meio de testes e experimentos, que devem ser exaustivamente efetuados e reproduzidos, por qualquer cientista em qualquer laboratório do mundo. Acho que só isso basta para evidenciar as enormes dificuldades para estudo dos eventos ligados ao espírito. Devemos lembrar ainda, que o espírito é um ser independente, dotado de livre arbítrio e não uma cobaia de laboratório. Se ainda não se apresentou para uma pesquisa sistemática dentro da metodologia científica é porque não chegou a hora. Além disto, o problema do materialismo não está na ciência, mas sim no comportamento egoísta do homem dentro da sociedade.
Outro cuidado que o espírita precisa ter é de não embarcar em teorias e especulações sensacionalistas que tentam corroborar as questões do espírito com os conceitos da física quântica, dentre outros. Isso reflete falta de informação, expondo a doutrina espírita ao ridículo perante a comunidade científica. Sem qualquer pretensão de apresentar um curso de física quântica, inviável no escopo deste artigo, vamos rabiscar algumas ideias simples, sem adentrar em detalhes técnicos. Isso talvez ajude o confrade espírita a se posicionar melhor diante dos divulgadores apressados das novas teorias da ciência em permanente expansão.
A física quântica estuda a estrutura microscópica da matéria. Objetiva compreender as propriedades físicas dos materiais, tendo em vista, principalmente, suas aplicações tecnológicas. Sugiro que o leitor assista os vídeos a seguir. São curtos, mas, bem-feitos, confiáveis e didáticos. Depois continuaremos com nossas considerações.
1) – Física Quântica EXPLICADA – https://www.youtube.com/watch?v=eA1E2HGdbKg
2) A Superposição Quântica Explicada – https://www.youtube.com/watch?v=RmnPPXKDTL4
Não se preocupe se você não entender muito bem o problema. Lembre-se do aviso no final do vídeo (1). Isso ocorre porque a física quântica, ou mecânica quântica como é preferível, lida com objetos muito pequenos e invisíveis para nós. Por serem muito pequenos estão sujeitos a comportamentos que nunca vimos no mundo macroscópico. Não é que eles não ocorram no mundo macroscópico, apenas a ocorrência é imperceptível. Imagine luz incidindo sobre um objeto qualquer, uma caneta, por exemplo. Você só vê a caneta porque a luz que atinge a caneta é refletida para seu olho. Como os fótons de luz são muito pequenos comparados com a caneta, esta não sofre nenhuma perturbação perceptível. Mas suponha que em lugar da caneta seja um elétron. Agora, o tamanho do elétron e do fóton de luz são parecidos, desta forma, imaginando que você estivesse observando o elétron, o que você veria seria o elétron depois de ter sido perturbado pela colisão do fóton e não o elétron antes da colisão. Se você não estiver olhando, os fótons continuam perturbando o elétron, mas você não sabe o resultado dessa perturbação. Por isso é que se diz que o observador altera o estado do objeto observado.
É isso que atiça a imaginação de muita gente que sai por ai alegando que a consciência do observador pode alterar a realidade a sua volta, dando margem a todo tipo de mistificação, puramente especulativa e sem qualquer respaldo científico verdadeiro. Alguns vão mais longe, alegando que a mecânica quântica prova a existência do espírito (consciência). Mas isso não corresponde à verdade. Matematicamente, pode-se representar as probabilidades de se encontrar uma determinada partícula em uma determina situação, num determinado lugar, por exemplo, por uma equação chamada de função de onda. O nome vem do fato que as partículas podem se comportar como matéria ou como onda.
Quando se faz a observação, a função de onda que, antes da observação, representava um conjunto de possibilidades, é colapsada no estado coincidente com o instante da observação e passa agora a mostrar apenas uma das possíveis situações que faziam parte do conjunto. Imagine uma moeda atirada para cima sobre uma mesa. Antes dela cair mostrando cara, ou coroa, as duas possibilidades eram possíveis. Mas ao tocar a mesa, só poderá mostrar cara ou coroa. Não foi o jogador que determinou a situação da moeda. Ela já tinha as duas possibilidades atreladas a ela antes de ser jogada. O observador (jogador) apenas provocou o colapso ou realização de uma das possibilidades já existentes. E o resultado pode mudar nas próximas jogadas. Não adianta você imaginar que sua consciência vai determinar sua sorte com a moeda. Todos os resultados possíveis já fazem parte da natureza da moeda. Essa caraterística probabilística do mundo quântico, não é nenhum pouco intuitiva, dai nosso estranhamento com a realidade quântica. De qualquer modo, esse aspecto probabilístico da física quântica, representando a natureza dual de objetos microscópicos, acaba atiçando a imaginação de muita gente. É preciso muito cuidado com tudo isso. Até existem pessoas preparadas, com conhecimentos, que fazem especulações interessantes sobre questões complexas, mas não representam o consenso da comunidade científica. São opiniões pessoais isoladas, geralmente divulgadas em forma de livros, e não em periódicos científicos sujeito a exame crítico de outros especialistas. Não devem ser tomadas como fatos comprovados.
Por outro lado, a ciência médica tem buscado estudar a relação entre espiritualidade e saúde em diversos grupos de pacientes. Existem trabalhos analisando o efeito de preces na cura de certas moléstias. Mas são de caráter espiritualista e não especificamente espírita. Isso mostra que a ciência não está refratária ao estudo das questões espirituais, mas tudo precisa ser feito dentro de uma metodologia adequada, obedecendo protocolos científicos e éticos apropriados. Existem também estudos de casos de experiência de quase morte, EQM, nas quais pacientes vítimas de parada cardiorrespiratória, sem atividade cerebral, dão testemunho de presenciar procedimentos e acontecimentos que ocorreram na UTI durante o tempo que estiveram “quase mortos”. Esse estudo indica que a consciência, que para nós espíritas representa o espírito, não é produto de uma reação físico-química dentro do cérebro, mas sim algo não pertencente ao cérebro, é algo que pode se deslocar para fora do cérebro.
Por isso tudo, é falsa a alegação que a boa ciência ignora as questões do espírito. Todavia adota procedimentos controláveis e adequados aos paradigmas materialistas próprios da ciência. Isso não significa que não haja correntes contrárias a esse estudo. Sempre existem grupos, dentro da comunidade científica e dentro da sociedade, contrários ao estudo das questões do espírito. O que importa é nós espíritas termos em mente a importância da serenidade, da tolerância com outras formas de pensamento e com o contínuo e atento estudo da doutrina espírita, lembrando a orientação do espírito de verdade na dissertação IX do cap. XXXI do livro dos médiuns: “Espiritas! Amai-vos, eis o primeiro ensino; instrui-vos, eis o segundo”.
Cesar Boschetti
Físico aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de São José dos Campos, SP – INPE. Editor consulente do GeaE (https://geae.net.br/) onde tenho vários artigos publicados. Atuo no movimento espírita há muitos anos como trabalhador da Fraternidade Paulo de Tarso de São José dos Campos, SP.
Fonte: Espiritualidade e Sociedade
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